não diga que você usa
Linguagem pessoal é mais do que pronomes.
Linguagem pessoal não se limita a ser "feminina", "masculina" e/ou "neutra".
O que sugiro é a utilização de artigo/pronome/final de palavra como forma de alguém se referir ao seu conjunto de linguagem pessoal ou a conjuntos de linguagem alheios.
Artigo, neste caso, é o que vai na frente de um nome ou de algo que substitui um nome:
- O artista (artigo: o)
- Le Dani (artigo: le)
- Ê estudante (artigo: ê)
- Zi médiqui (artigo: zi)
Pronome, neste caso, é o que substitui um nome ou outra palavra com a mesma função:
- Estive pensando nela (pronome: ela)
- Ély é minhy amiguy (pronome: ély)
- Gostei dilae (pronome: ilae)
- O que elu disse? (pronome: elu)
Final de palavra, terminação ou flexão, neste caso, é o que substitui a última parte de certas palavras:
- El é chate (final de palavra: e)
- Ila quer ser uma jogadora de basquete (final de palavra: a)
- Confio naquele veterinário (final de palavra: o)
- Rafa foi rápidw (final de palavra: w)
O artigo e o final de palavra são elementos separados por conta do quanto é comum pessoas quererem usar alguma única letra como final de palavra mas preferirem que ninguém use nenhum artigo para se referir a elas, ou preferirem algum artigo mais diferenciado do som de palavras existentes.
Existem outras palavras pelas quais pessoas podem ter preferências, como pronomes demonstrativos, mas esses elementos geralmente são mais facilmente evitados do que os três mencionados aqui.
Pessoas que não querem que nenhum elemento específico as referencie diretamente podem dizer que usam -/-/-, o que equivale a sem artigo/sem pronome/sem final de palavra.
Pessoas sem nenhuma preferência por algum elemento podem indicar qualquer de alguma forma e pessoas que preferem que outres fiquem trocando entre quaisquer elementos podem indicar rotatividade de alguma forma. Então pessoas podem ter conjuntos como -/(qlq)/e, (rot)/(rot)/(rot) ou afins.
Também é possível indicar mais de um elemento em um conjunto só, como em a/(ila, ily)/(a, e, y). Recomendo separar os conjuntos caso hajam vários elementos, ao invés de colocar todos em um lugar só, mas esse método pode ser útil em circunstâncias como alguém só querendo oferecer mais de uma opção para um dos elementos.
Já existem diversas críticas sociais sobre a caracterização de roupas, brinquedos e afins como unicamente feminines ou masculines. Tais estereótipos prejudicam a expressão pessoal de pessoas de quaisquer identidades de gênero, e tais classificações são desnecessárias. Afinal, podemos descrever itens como vestidos ou bolas de futebol sem recorrer aos conceitos de feminilidade, masculinidade, mulher ou homem.
Por que isso seria diferente com linguagem pessoal?
Pessoas fora dos padrões cisgênero e/ou que fogem das normas de gênero questionam com suas próprias existências o quanto é correto presumir o gênero gramatical que deve ser usado para se referir a cada pessoa.
O consenso entre várias pessoas não-binárias, trans e/ou não-conformistas de linguagem é que o conjunto de palavras que devem ser utilizadas para se referir a cada pessoa deve ser determinado pelo alvo da referência, e não por quem está se referindo à pessoa.
Ou seja, antes de usar pronomes como ela, ele, elu, ilu, el e afins, o que importa é o que a pessoa que está sendo referida quer que usem para ela, e não sua aparência externa, sua identidade de gênero, seu nome ou alguma informação em seus documentos legais.
Além de ser uma informação independente de outras, a linguagem pessoal também é muitas vezes decidida por praticidade ou estética, e não por associação com qualquer gênero ou característica relacionada a gênero. Muitas pessoas não-binárias acabam preferindo ser referidas com palavras com associações binárias que são mais familiares para elas ou que desafiam as expectativas esperadas para suas aparências, por exemplo.
Mas eu quero chamar o que uso (ou não uso) de feminino, masculino e/ou neutro!
Tudo bem, mas você ainda deveria qualificar melhor o que é feminino, masculino ou neutro para você. Há pessoas que consideram tanto o pronome ela quanto o pronome ila como femininos. Há pessoas que veem apenas o pronome ile como neutro, outras que veem apenas o pronome elu como neutro, outras que consideram que qualquer neopronome pode ser considerado um pronome neutro, e por assim vai.
Além de ser algo potencialmente ofensivo — porque quando você diz "uso linguagem masculina" ao se apresentar você não está afirmando que usa uma certa linguagem por ela ter associações masculinas, e sim que linguagem masculina é necessariamente a linguagem que você usa e que a linguagem que você usa deve ser sempre vista como masculina — esse tipo de afirmação também não comunica bem quais palavras você quer que sejam usadas para se referir a você.
Gênero gramatical é um termo problemático?
Embora a palavra gênero no termo gênero gramatical não precise ter a ver com a mesma no termo identidade de gênero, os gêneros gramaticais da língua portuguesa são, em geral, descritos de formas que remetem a atributos de gêneros (feminino e masculino), o que me faz querer evitar o uso do termo para não contribuir para que outres associem os conceitos.
Mesmo que os gêneros gramaticais padrão possam ser descritos de outras formas (como marcado e inespecífico), quaisquer "gêneros gramaticais" envolvendo neolinguagem não possuem nomes formais, então acho mais fácil ensinar pessoas a dizer "o conjunto a/ila/a" ao invés de inventar e difundir um nome para tal gênero gramatical.
Além disso, o conceito de gênero gramatical também deixam implícitas uma coesão interna e uma separação entre os diferentes gêneros gramaticais. Por isso, não recomendo o uso deste termo quando o assunto não é a gramática padrão. Nem todas as pessoas usando pronomes como elu, ile, ila, éli, ilo ou afins usam os mesmos finais de palavra, os mesmos artigos definidos, os mesmos pronomes demonstrativos e afins.
Por conta de tudo isso, uso o termo conjunto de linguagem para me referir a qualquer conjunto de palavras que variam com base em gênero gramatical que estão sendo agrupadas por qualquer motivo.
Há um link para esta seção após a primeira menção do termo gênero gramatical. Retornar?
São vários.
O mais pertinente é que não ajuda muito pessoas com linguagem pessoal mais incomum. Ou até mesmo pessoas cercadas por quem não é familiarizade com neopronomes mais comuns (como elu e ile). Os conjuntos padrão são a/ela/a e o/ele/o: um conjunto onde a última letra do pronome é a mesma do resto do conjunto e outro onde essa regra não serve.
Além disso, enquanto e é o final de palavra mais comum para quem usa neopronomes atualmente, há muitas discordâncias em relação a qual deveria ser o "artigo neutro padrão".
Se alguém me pergunta quais são meus pronomes e eu respondo que são eld e ael (ou quaisquer outros que uso), a maioria das pessoas não consegue lidar nem com esta informação direito. Além disso, muitas vezes esperam que haverá uma série de palavras específicas que precisam decorar que são associadas com esses pronomes, quando eu aceito o final de palavra e, algo cujo uso deveria ser fácil para quem só conhece o conceito de neolinguagem sob a ideia de "linguagem neutra".
Normalize citar informações para além de um pronome! Pessoas com linguagem pessoal incomum agradecem. :)
Eu chamo tudo de pronome mesmo...
O que também complica as coisas pra quem precisa expressar elementos de conjuntos de linguagem menos normativos.
Quanto mais pessoas souberem o que são artigos, o que são finais de palavra e a diferença entre cada um, mais fácil fica das pessoas poderem expressar preferências pelos conjuntos que quiserem.
Sem problemas se este for o caso, mas tem muita gente que se ofende com o fato de que "qualquer linguagem" também se aplica a conjuntos além de a/ela/a e o/ele/o, e inclusive além desses e de ê/elu/e, -/-/- ou qualquer outro mais difundido. La/ala/al, fo/ogo/w, u/ulu/u e infinitos outros conjuntos também existem como possibilidades.
Também não há problemas em só aceitar 2 ou 3 conjuntos: é só falar quais são. Não há a necessidade de agir como se o resto não existisse.
Embora estes sejam provavelmente os finais de palavra mais comuns, a, e & o não são os únicos finais de palavra existentes e faz todo o sentido quando alguém não se sente bem sendo referenciade com nenhum destes e prefere outros.
Além disso, a construção de frases como "sejam todes bem-vindes" já foi feita para referenciar todo mundo, e não só pessoas que usam o final de palavra e. A partir do momento que mais finais de palavra são especificados, isso se torna uma situação onde certas linguagens pessoais estão sendo contempladas e as outras estão sendo excluídas, assim como acontece quando alguém diz "todas e todos" para se referir a um grupo que pode conter pessoas usando outros finais de palavra.
Não seria mais fácil se usassem menos formas de linguagem pessoal?
Linguagem pessoal é pessoal. Se alguém não se sente confortável com certo pronome (ou outro elemento) a pessoa não deveria ser obrigada a aceitá-lo.
Garanto que a maioria das pessoas que usam conjuntos de linguagem pessoal incomuns não estão fazendo isso pra incomodar ou para dificultar de propósito. É uma questão de conforto e/ou de lidar com euforia ou disforia de gênero.
O problema é que muitas vezes um pronome pessoal vai ser importante, com pronomes demonstrativos não dando conta do recado. Mesmo se for pra usar isso ou isto como pronomes pessoais retos, a forma de expressar o conjunto de linguagem fica ambígua.
O final de palavra é bem importante para se referir a outres dentro da língua portuguesa. É para usar qual aqui? O? E? Nenhum?
Apoio total se alguém quiser usar -/isso/-, i/ilo/o ou qualquer coisa assim, mas acho bom expressar a linguagem em algum modelo que já é utilizado, a não ser que você tenha preparado uma página explicando em mais detalhes como usar tal linguagem para você. E, nesse caso, um resumo como isso/disso não chega a ser relevante, né? :P
Como são traduzidos outros neopronomes?
Não existem traduções exatas pra maioria dos neopronomes ou outros elementos de neolinguagem. As exceções são os feitos para serem neutros genéricos e os de línguas muito parecidas, mas se a ideia for traduzir algo como e/em (da língua inglesa) ou xal/xan (da língua francesa), a interpretação pode acabar variando de acordo com o que cada pessoa pensa que encaixa. Mais sobre isso aqui.
🌈 mais sobre neolinguagem, linguagem pessoal e afins
(fim)
espero que a leitura tenha sido informativa!
Página inspirada por Call me by my gender ✨
A página em questão é sobre não usar pronomes ou palavras ligadas a categorizações sexuais diadistas no lugar de falar do gênero de alguém, ou de só usar a palavra pessoa. Embora não exista tanto esse problema em espaços lusófonos, não custa muito reforçar que é melhor usar substantivos que cada ume usa para si (ex.: mulher, homem, enebê, maverique, pessoa) para se referir a alguém do que chamar qualquer ume de "uma ela" ou "um macho".